Roger Willians funda a colônia de Rhode Island, a primeira sociedade com total separação entre Igreja e Estado.
Tema: Igreja e Estado devem estar separados.
Divisa: Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. (Mt 22:21).
Nos séculos XVI e XVII a alternância de poder na Inglaterra levava invariavelmente a perseguições políticas e religiosas mescladas, de maneira que quando o governante era católico, anglicano ou puritano, usava o poder do Estado para perseguir o restante do povo de religião diferente. Essa situação foi motivo para milhares de ingleses migrarem para as novas colônias na América do Norte, em busca de liberdade religiosa. Porém em tais colônias o mesmo vício se repetiu, cada uma perseguindo as pessoas de crenças religiosas diferentes da oficial.
Um desses imigrantes, de convicção congregacional, foi Roger Willians. A decepção dele com a persistência das perseguições religiosas na América somou-se ao choque pela falta de humanidade dos colonizadores, por eles roubarem as terras dos indígenas, expulsando-os com violência. No mínimo eles deviam comprá-las e indenizá-los, dizia. Por causa dessas críticas ele foi julgado e condenado ao banimento da cidade de Salém. Porém esta foi a ocasião dele colocar em prática suas convicções e comprar dos índios a terra para seu assentamento em Rhode Island, onde pôde desenvolver uma nova colônia, na qual ninguém, nem os nativos norte-americanos, seriam discriminados por suas crenças. Sobre isso, Roger Willians disse: “Deus não precisa da ajuda de uma espada material de aço para auxiliar a Espada do Espírito nos assuntos da consciência”, isto é, ele confiava somente no poder de Deus para estabelecer a religião verdadeira, convertendo coração por coração. Tal colônia foi um refúgio para todas as minorias religiosas, e onde Roger Willians estabeleceu a primeira igreja batista no continente americano1.
2.1 - O QUE É A SEPARAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO?
É o conceito de que:
A Igreja e o Estado devem estar separados por serem diferentes em sua natureza, objetivos e funções. É dever do Estado garantir o pleno gozo e exercício da liberdade religiosa, sem favorecimento a qualquer grupo ou credo. O Estado deve ser leigo e a Igreja livre. Reconhecendo que o governo do Estado é de ordenação divina para o bem-estar dos cidadãos e a ordem justa da sociedade, é dever dos crentes orar pelas autoridades, bem como respeitar e obedecer às leis e honrar os poderes constituídos, exceto naquilo que se oponha à vontade e à lei de Deus. (Declaração Doutrinária da CBB, artigo 151).
A Igreja tem a responsabilidade tanto de orar pelo estado quanto de declarar o juízo divino em relação ao governo, às responsabilidades de uma soberania autêntica e consciente, e aos direitos de todas as pessoas. A Igreja deve praticar coerentemente os princípios que sustenta e que devem governar a relação entre ela e o estado. (Princípios Batistas da CBB, artigo 4.52).
2.2 - QUAIS AS BASES BÍBLICAS DESSE CONCEITO?
2.2.1 - O governo da sociedade não deve extrapolar suas funções. Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus (Mt 22:21). A conhecida frase de Nosso Senhor estabelece claramente que há um limite para a atuação do governo humano, aqui representado genericamente por ‘César’, que ele não pode ultrapassar, sob pena de estar usurpando o lugar de Deus.
Conforme o Novo Testamento, o que é de César é a missão de prover para a sociedade que governa uma vida quieta e sossegada, em toda a piedade e honestidade (1Tm 2:2), não sendo terror para as boas obras, mas para as más (Rm 13:3), para castigo dos malfeitores, e para louvor dos que fazem o bem (1Pe 2:14), mas nenhuma palavra é dada sobre algum dever do governo secular de promover a religião ou cobrar dos cidadãos a fé no Evangelho.
Mesmo a referência a toda a piedade (1Tm 2:2), palavra que pode ter um sentido religioso, implicaria exatamente o contrário de um controle do governo sobre a religião, pois devemos lembrar que o governante de quem Paulo está falando é do Império Romano, que nesta época adotava uma religião pagã de adoração aos deuses da mitologia grega e ao próprio imperador como um ser divino. Se ele impusesse o seu conceito de piedade, portanto, estaria obrigando aos cristãos a seguirem seu paganismo, o que não pode ser o sentido desta frase de Paulo. Podemos entender então que a piedade que o governante deve garantir não é o seu conceito de piedade, mas proteger a liberdade dos cidadãos praticarem suas próprias ‘piedades’ em paz, sem serem perseguidos ou prejudicados por isso.
2.2.2 - A igreja não tem o direito de usar os instrumentos próprios do governante secular. Se um cidadão comete um crime que merece ser punido pela sociedade, o governante pode e deve usar a força para lhe conduzir à prestação de contas, isto é, ao seu julgamento e posterior sentença, pois não porta a espada à toa (Rm 13:4).
Mas em relação ao membro da igreja que comete um crime, mesmo que grave, o máximo que a igreja, enquanto instituição, irá fazer com ele é, após a devida exortação, excluí-lo da membresia (Mt 18:15-17; 1Co 5). As armas da nossa milícia não são carnais (2Co 10:4), são o cinto da verdade, a couraça da justiça, os sapatos do Evangelho, o escudo da fé, o capacete da salvação e a espada da Palavra (Ef 6:14-17), e tendo-as usado no transgressor, com mansidão velamos pacientemente pelo seu arrependimento (2Tm 2:24-26). Nota-se então que quando a igreja usa os instrumentos próprios do governo secular, ela está deixando de confiar e descansar nos meios que Deus lhe deu para cumprir sua missão. Mas lemos: não por força nem por violência, mas sim pelo meu Espírito (Zc 4:6).
2.2.3 - O governante não pode usurpar para si o dever das obras espirituais que são missão da igreja. As exortações sobre como lidar com a falsa doutrina se restringem no máximo a uma separação não-violenta. Em nada é remotamente sugerido que aqueles que não crêem na doutrina correta devessem ser processados e condenados criminalmente, apenas que os cristãos se afastem da influência deles: de modo nenhum seguirão o estranho, antes fugirão dele (Jo 10:5), ao homem herege, depois de uma e outra admoestação, evita-o (Tt 3:10). “Fugirão dele”, “evita-o”... onde está algo como “processe-o, prenda-o, julgue-o e mate-o pelo poder da espada do governante”? Lugar nenhum. Zelar pela fé é papel exclusivo da igreja. Ela que é, da parte do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade (1Tm 3:15).
Mesmo se toda a população de um país se tornasse verdadeiramente cristã, tal distinção de funções deveria ser mantida: ao governo cabe promover a ordem, justiça e paz na sociedade (Rm 13:1-7; 1Pe 2:13-14; 1Tm 2:2), enquanto promover a fé na Palavra de Deus é tarefa da igreja organizada por Jesus: fazei discípulos de todas as nações, pregai o evangelho a toda criatura (Mt 28:19; Mc 16:15).
2.3 - QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DESSE CONCEITO?
2.3.1 - Reconhecer que a igreja fazer aliança com a política não é o método bíblico para a expansão da fé em Cristo. De fato essa aliança para expandir uma religião, mas isso não implica que seja um procedimento correto. A Igreja Romana e o Islamismo são exemplos disso. Grande parte da sua ampla distribuição no mundo de hoje se deveu justamente a esse método, primeiro dominar politicamente uma sociedade, depois impor a sua religião a todos, e a seguir manter a aliança entre governo e religião para que ambos se preservem e se promovam. No caso do Cristianismo, o erro crucial do batismo de bebês, misturou, desde o nascimento, a cidadania com a religião. Chegaram a identificar o fato de alguém nascer em determinado país e povo como já herdando a sua religião. Nesse contexto em que a religião oficial do povo batiza bebês, todo mundo que nasce naquele lugar já é considerado cristão.
Mas a religião, como vimos na Lição 1, é questão pessoal, de indivíduo para indivíduo. Não existe, literalmente falando, o ‘pais cristão’, a ‘terra cristã’, o ‘povo cristão’, a ‘cultura cristã’, etc, somente os indivíduos é que podem ser cristãos ou não.
Sobre essa posição de separação entre Igreja e Estado, podemos enxergar claramente, durante a História, que quando os cristãos não têm poder político na sociedade, e são perseguidos, eles são tolerantes às outras crenças e gostariam que tais esferas fossem separadas. Porém quando tais esferas são unidas, e o poder político é adquirido pela igreja, a igreja quase sempre cede à tentação de usar esse poder para a perseguir as crenças divergentes, e até mesmo se vingar dos que antes os perseguiram. Tal erro foi cometido inclusive por protestantes reformados que perseguiram não somente os católicos, mas também outros evangélicos que deles divergiram.
2.3.2 - A correta religião e a correta política só podem ser exercidas em separado. Ap 13 nos fornece um painel de uma sociedade corrompida em que há aliança entre religião e governo. A besta do mar é um poder político (Ap 13:1-10), e a besta da terra é um poder religioso (Ap 13:11-18). Independente da interpretação de como identificar na História quem foram ou são esses poderes, a situação pode se repetir em vários contextos, e em uma sociedade assim os verdadeiros cristãos serem perseguidos. Faz que a terra e os que nela habitam adorem a primeira besta (Ap 13:12), ou seja, a religião aliada à política, pode se desviar do seu propósito de conduzir os homens a Deus. Ao invés disso, ela os costuma conduzir à idolatria de governantes, como substitutos de Deus, e pior ainda, pode julgar a fé das pessoas pela adesão ao seu grupo político, podendo dizer coisas como “quem é contra fulano não é cristão de verdade”. No entanto tais pessoas discriminadas pela religião a serviço da política, demonstraram sua fé justamente por não concordarem com a idolatria de políticos.
Quando a igreja serve ao governo, a igreja aprovará uma única posição política: a do governante que a apoia. Da mesma forma, o governante que serve a igreja terá uma única agenda religiosa: a da igreja que o apoia. Assim, perseguições injustas podem ser iniciadas por ambos: a igreja desmerecendo a fé de quem discorde politicamente dela, e o governo desmerecendo a cidadania de quem discorde religiosamente dele. Desta forma, a Religião a serviço da Política é idolatria, e a Política a serviço da Religião é usurpação. Deus nos livre de ambos os erros.
2.3.3 - A união de cristãos por meio da igreja deve transcender eventuais diferenças políticas. Tendo já falado na Lição 1 sobre o direito à liberdade religiosa na sociedade, reparemos agora uma aplicação sobre o direito à liberdade política na igreja: aprendemos nos Evangelhos que os nomes dos doze apóstolos são estes: (...) Mateus, o publicano; (...) Simão, o zelote (...) Jesus enviou estes doze (Mt 10:2-5)1. Isto significa que a pluralidade política caracterizou os discípulos que foram chamados por Cristo. Pois um publicano era um colaborador do Império Romano que dominava Israel. E um zelote era um revolucionário que pretendia derrubar o mesmo Império e dar independência política à sua nação. Em termos políticos, eles estavam em exatos extremos opostos, mas Jesus chama a ambos para seguí-Lo, de maneira a transcenderem suas diferenças em um só corpo, para por meio dele promoverem o único Reino que importa de verdade.
Como eles chegarão a compor este Corpo de Cristo, é assunto da nossa próxima lição.
2.4 - QUE OUTRAS QUESTÕES PODEM SER LEVANTADAS PARA APROFUNDAMENTO DESTE TEMA?
2.4.1 - À luz do princípio de separação entre Igreja e Estado, qual a propriedade de cantar hinos pátrios durante o culto da igreja? É certo que uma igreja de Cristo deve orar pela nação onde ela habita, mas o que dizer de entoar no culto canções cuja letra em nada representa uma adoração a Deus?
2.4.2 - Na parábola do joio e do trigo, em Mt 13:24-30;36-43, quem faz, e quando faz, a separação entre verdadeiros e falsos convertidos? O que isso diz sobre a capacidade ou incapacidade humana de tentar criar uma sociedade religiosamente pura neste tempo?
2.4.3 - Quando Jesus diz em Jo 18:36 “meu Reino não é deste mundo”, o que isso comunica sobre o modo como a igreja deve expandir o Reino de Deus?
2.4.4 - O “Decálogo do Voto Evangélico” 4 diz: “é fundamental que o candidato evangélico queira se eleger para propósitos maiores do que apenas defender os interesses imediatos de um grupo religioso ou de uma denominação evangélica”. Você concorda? Se sim, que propósitos maiores seriam esses?
2.4.5 - O mesmo texto também diz “Nenhum eleitor evangélico deve se sentir culpado por ter opinião política diferente da de seu pastor ou líder espiritual”. Comente essa afirmação: quais mecanismos e ações na igreja podem induzir falsa culpa nos cristãos, como se eles não tivessem liberdade de pensamento político?
2.4.6 - Sl 146:3 diz: não confieis em príncipes. Como isso se aplica à questão de uma aliança entre Igreja e Estado?
2.4.7 - Que cuidados e critérios a igreja deve ter para não se permitir enganar, envolver ou comprometer com políticos em busca de votos? Ela pode aceitar ofertas vindas de políticos em campanha? Ela pode participar de trabalhos de ação social ligados ao nome de algum político? Ela pode ceder o púlpito e o microfone para candidatos e políticos durante o culto? Ela pode manter o ministério de membro que utiliza dele para ativismo político? Ela pode receber verbas vindas de dinheiro público?
FIGURA:
REFERÊNCIAS: